17 maio 2007
Definindo uma métrica universitária
Em consonância com nossa tradição normativa, ainda que sem definir o que seja uma universidade, o constituinte optou por salvaguardar as suas diferentes autonomias (didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial) e por explicitar que elas deverão obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (artigo 207). Na esteira dessa regulamentação, o legislador editou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), cujo artigo 52 esclarece que “as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: (I) produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; (II) um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; e (III) um terço do corpo docente em regime de tempo integral”. E, como ele estabeleceu uma métrica, fixou-se, naturalmente, um prazo para sua implementação: 8 anos (cf. artigo 88, § 2º). Mas, como se vai do primeiro para o segundo cenário em 8 anos? O Decreto nº 2.207/1997 estabeleceu, então, uma lógica progressiva: ao final de 1998, pelo menos 15% do corpo docente deveriam ser titulados (dos quais 5% com doutorado), com igual percentual de regime de tempo integral; ao final de 2001, os percentuais subiam para 25%, com 10% de doutores; e, ao final de 2004, os dois terços “mágicos” deveriam ter sido atingidos, com 15% de doutores. Além disso, era fixado que, em qualquer época, 30% dos titulados deveriam, obrigatoriamente, estar contratados em regime de tempo integral. Por último, a penalidade: quem não cumprisse, seria reclassificado como centro universitário! Parecia simples, mas o referido Decreto foi revogado e, em seu lugar, passou a vigorar o Decreto nº 2.306/1997, que concedeu às universidades o prazo de um ano, a contar da LDB, ou seja, até o final de 1997, para que elas apresentassem à SESu um plano para atender à métrica no prazo de 8 anos fixado na lei. O que aconteceu com esses planos ou o que eles previam é algo que eu não saberia responder! De qualquer forma, eles devem ter balizado a ação da SESu nos anos subseqüentes, uma vez que, no Decreto nº 3.860/2001 (que revogou a regulamentação precedente), nada mais era falado sobre o atendimento ao prazo de 8 anos. Na verdade, após o encerramento do prazo, no início de 2005, o foco do debate havia sido deslocado para a proposta de reforma da educação superior, que consumiu longos meses de debate e desaguou no encaminhamento ao Congresso de um projeto de lei (Projeto de Lei nº 7.200/2006) e na edição do “decreto-ponte” (Decreto nº 5.773/2006), que revogou a anterior regulamentação e nada falou sobre o prazo de 8 anos, até porque ele já havia se esgotado há mais de ano! Entretanto, no final de 2005, diante dos resultados consignados no cadastro nacional de docentes da educação superior, o MEC recrudesceu e o Ministro exarou um despacho, em 11.11.2005, dando 60 dias para que as universidades (e os centros universitários) apresentassem as razões ou justificativas pelas quais deixaram de cumprir o prazo! Em 16.01.2006, foi exarado novo despacho prorrogando o prazo por mais 60 dias! Ou seja, 120 dias para que as universidades fornecessem as devidas explicações, sob pena de instauração de processo administrativo, que poderia concluir-se pela suspensão temporária da prerrogativa de autonomia. O que aconteceu, então, é narrado no início do Parecer CNE/CES nº 37/2007. Ali, é dito que “em 10 de fevereiro de 2006, o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) encaminhou Ofício CRUB nº 57/2006-P à SESu/MEC argumentando que, desde a edição da LDB, muitos temas complexos demandaram regulamentação, mas outras questões continuaram a solicitar maior atenção, sendo citado especificamente o inciso III do art. 52. No entendimento do CRUB, os Decretos que regulamentaram a LDB não trouxeram o esclarecimento necessário para que houvesse a efetivação daquele comando legal, assim como não consideraram as peculiaridades desse tipo institucional, o que vem dificultando o processo de atendimento pleno das exigências legais por parte das universidades. A relevância da questão fez com que o Secretário da SESu/MEC, por determinação do Ministro da Educação, formulasse, por meio do Oficio nº 1.187/2006, consulta ao Conselho Nacional de Educação para que se manifeste sobre a matéria”. Em outras palavras, com a consulta deslocava-se o problema: antes, ele versava sobre a fração um terço; agora, ele dizia respeito à conceituação do tempo integral! E, com isso, mais tempo se ganhava na apreciação do tema. Discutido pelos Conselheiros, o Parecer CNE/CES nº 37/2007, aprovado em fevereiro passado, indicava que, para os fins pretendidos na caracterização normativa, o artigo 52 da LDB deveria ser visto sob um duplo ângulo: qualitativo e quantitativo, sendo que este último deveria, ainda, ser visto sob uma dupla base de cálculo, ou seja, a dimensão absoluta do corpo docente e a totalidade de horas-atividade atribuída ao corpo docente. Aprovado, o parecer foi amplamente divulgado e foi, inclusive, objeto de comentário neste blog, chamando atenção para as dificuldades que acarretaria a introdução de mais uma métrica na educação superior. No final de março, sem que ele tivesse sido homologado, a CES deliberou solicitar a sua devolução para que fosse aperfeiçoada a orientação quantitativa alternativa (relativa às horas atividades), com os Conselheiros concordando em enviar suas contribuições até o final de abril, tudo conforme a ata de sua vigésima sessão ordinária. E agora, o que acontecerá? É difícil responder, muito embora a exigência normativa não tenha sido até hoje revogada. Enquanto a discussão não se encerra, o tempo continua sua marcha inexorável e nós continuamos sem saber o que caracteriza uma universidade. Será tão difícil assim?
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