O julgamento da ADPF nº 144 continua provocando debates em torno da afirmação feita pelo Ministro Gilmar Mendes de que o Direito deve ser achado na lei e não na rua. Com efeito, o prolongamento está ocorrendo nas páginas da revista Veja, onde o jornalista Ronaldo Azevedo publicou o texto "O Direito só pode ser achado na lei". Encaminhada para a revista, a resposta oferecida pelo Professor José Geraldo de Sousa Júnior encontra-se abaixo transcrita.
No julgamento da ADPF nº 144, o Presidente do Supremo Tribunal Federal fez a seguinte afirmação: "cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua". Comentando esta expressão, matéria de Veja edição nº 2075 repisa argumentos anteriores de seu mesmo autor (Veja edição 2016, 11/07/2007), arrepiado em face de "O Direito Achado na Rua" porque "tal corrente entende que o verdadeiro direito é o que nasce dos movimentos sociais". Naquela ocasião enviei carta a Veja esclarecendo a posição desta corrente de pensamento sem, contudo, receber a atenção de revista para oferecer a seus leitores o ponto de vista antagônico. Volto agora a apresentar este ponto de vista ainda que sem esperança de ter reciprocidade em benefício da boa informação.
Em artigo cujo título é "A Contribuição do Direito Achado na Rua para um Constitucionalismo Democrático", o meu colega de faculdade Professor Menelick de Carvalho Netto, integrante da mesma linha de pesquisa em que se inscreve o Prof. Gilmar Mendes, chama a atenção para a virtualidade heurística de "O Direito Achado na Rua" ao mostrar a sua atualidade teórica para romper com a visão redutora, formalista, anti-povo e autoritária que se retrai diante do movimento do social e que perde a perspectiva de apreensão do "nexo interno entre o sistema de direitos e da democracia", numa espécie de cegueira para o surgimento "em toda a sua clareza das demandas expressas nas lutas por reconhecimento dos movimentos sociais, tornando visível a exigência de permanente abertura do Direito e da política".
Do mesmo modo, o mais importante constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho se refere ao potencial emancipatório de "O Direito Achado na Rua", para livrar o Direito Constitucional de seu estiolamento formalista e levá-lo, com base em teorias da sociedade e da justiça a poder reconhecer novos modos de determinação da regra do Direito: "do outro lado da rua, o 'direito achado na rua' e, perante o sangue vivo que brota dos vasos normativos da realidade e a sedução de um direito outro , alternativo ao direito formal das constituições, códigos e leis, compreende-se que o discurso hermenêutico dos juristas mais não seja que um manto ocultador do insustentável peso do poder", que vai continuar achando que o direito só se encontra nas leis, mas nunca na rua. Não sentem como o poeta (Drummond), as exigências do justo para se darem conta, com ele, de que "Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos./ As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei".
Reitero que a posição insistente de Veja em diversos momentos editoriais revela a sua incompreensão acerca das disposições instituintes das reivindicações sociais, incompreensão na qual, evidentemente, não se enreda o Ministro Gilmar Mendes, meu colega de congregação na Faculdade de Direito da UnB, espaço no qual temos mantido uma troca saudável e elevada de interlocução teórica, que não leva a supor que a sua manifestação no plano jurisdicional tenha referência direta e hostil à concepção jurídica de "O Direito Achado na Rua" formulada por nosso professor Roberto Lyra Filho e, aliás, bastante respeitada nos debates acadêmicos.
Atenciosamente,
José Geraldo de Sousa Junior
Professor da Faculdade de Direito da UnB
Coordenador do Projeto "O Direito Achado na Rua"
Outro interessante comentário sobre o tema pode ser encontrado no blog APonte, do Professor Mauro Almeida Noleto. Nele, além de reproduzir o texto do Professor Marcelo Cattoni aqui também publicado, ele traz a opinião do Bacharel em Direito Gustavo Di Angellis. Enfim, boa leitura!
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