É raro alguma postagem do blog suscitar qualquer comentário por parte dos leitores. Não foi o caso, entretanto, da nota precedente, cujo título é aqui reproduzido. Além dos dois comentários feitos on line, recebi um e-mail do Professor Marcelo Cattoni (UFMG e PUC-MG), companheiro no grupo Cainã, cujo conteúdo aqui reproduzo com a devida autorização.
O Ministro Gilmar Mendes afirmou, quando do julgamento da ADPF n. 144, que "cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua". No Estado Democrático de Direito, este tipo de afirmação merece maiores explicações, para que não se crie uma falsa oposição entre lei e rua. Pois se é certo que o Direito não deve ser reduzido à vontade - não-mediada institucionalmente - de maiorias conjunturais, por outro não pode ser reduzido à mera estatalidade. Afinal, as decisões estatais no Estado Democrático de Direito só são válidas se garantirem suas pretensões democrático-constitucionais. Gilmar Mendes, ao assim pronunciar-se, estaria se referindo "pejorativamente" à importante escola de pensamento jurídico liderada por este grande intelectual que é José Geraldo de Sousa Júnior na esteira de Roberto Lyra Filho? E também a todos os que em algum momento lutaram contra o "Direito" (sic) da ditadura sob a bandeira do então chamado genericamente de "Direito alternativo" e lutaram justamente para o que naquele momento era alternativo à Ditadura se tornasse o Direito democrático de pós-1988? O certo é que ele atinge também a todos nós que não reduzimos o Direito à mera estatalidade. É claro que todo o Direito é público, não resta dúvida quanto a isso. Mas o público não se reduz ao estatal, no Estado Democrático de Direito. E que está numa relação pública de equiprimordialidade entre público e privado. O pluralismo jurídico que Gilmar Mendes critica com seu pronunciamento não coloca em risco a constitucionalidade democrática. Numa sociedade democrática, aberta de intérpretes da Constituição, o pluralismo jurídico é interno ao próprio Direito democrático e é condição de racionalidade discursiva para que publicamente possamos no exercício da cidadania construir, ao longo da história da nossa comunidade jurídica, os ideais de justiça e de bem-comum que devem dar sentido a essa história (art. 1.º, V, da CRFB). Assim é que a coerência normativa exigida pela integridade do/no Direito é de princípios e não a meras convenções do passado. Se o Direito não nascer na rua, se a legalidade não nascer da informalidade e na periferia, e não se sustentar com base em razões que sejam capazes de mobilizar os debates públicos pela atuação da sociedade civil e dos setores organizados da sociedade, e assim, sem uma perspectiva generalizada, universalizanda, instaurada pelas lutas por reconhecimento e inclusão, não ganhar os fóruns oficiais, não ganhar o centro do sistema político, e não se traduzir em decisões participadas, como falar-se em legitimidade democrática? Somente o Direito "achado" (sic) na lei será legítimo, se for construído publicamente a partir da rua... É na mediação discursiva entre a informalidade e a formalidade, garantida pelos processos deliberativos constitucional e democraticamente institucionalizados, legislativos, administrativos e jurisdicionais, que o poder político é gerado comunicativamente e a legitimidade é gerada através da legalidade...
A provocativa nota precedente encontra aqui, portanto, uma resposta, que, sem dúvida, resolve a dicotomia entre lei e rua. Quem tiver interesse em conhecer um pouco mais do referido julgamento, pode ler a íntegra do voto do Ministro Eros Grau. Boa leitura!
Um comentário:
O e-mail do prof. Marcelo Cattoni é extremamente elucidativo e concordo plenamente com as suas exposições.
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