05 março 2007
Proletarização da advocacia
Ontem, foi publicada no jornal Tribuna do Norte, em Natal, uma entrevista com o presidente da OAB, Cezar Britto (http://tribunadonorte.com.br/noticia.php?id=36044, reproduzida em: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=9166). Nela, ele esclarece que a OAB, no campo corporativo, precisa compreender que "parte dos seus associados está proletarizada pelo aumento exagerado dos cursos de Direito". Para combater esta situação, ele sinaliza para a abertura de duas frentes de trabalho: por um lado, estancar a expansão dos cursos jurídicos e, por outro lado, unificar o Exame de Ordem. Em outras palavras, de um lado, trabalha-se para diminuir a demanda de ingressantes na profissão e, de outro lado, trabalha-se pela concentração da análise do ingresso na profissão. Creio que a unificação do Exame de Ordem é uma boa medida quando colocada sob uma ótima sistêmica, em especial quanto ao selo OAB Recomenda. Além disso, ela seria uma excelente medida para estabelecer uma correlação mais "realista" com o mercado profissional. Este é, sem dúvida, um debate importante e que necessita ser mais explorado. Como já escrevi antes, parabéns ao presidente Britto por insistir em inserir o tema na agenda corporativa. Quanto à proletarização da advocacia, creio que as coisas são um pouco mais complicadas e que a correlação com a expansão dos cursos não pode ser efetuada de forma tão automática. É, aliás, curioso que essa correlação já fosse feita por Joaquim Falcão, no início dos anos 1980, em seu livro "Os advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho" (1984). Entretanto, em seu diagnóstico, ele não sugere a regulação da oferta, mas a sua adequação, pois seu combate é contra o "pacto latente (entre mercado de trabalho e ensino do direito), marcado pela convivência aparentemente contraditória entre um mercado que absorve bacharéis em atividades não jurídicas e um ensino jurídico cartorial ou tradicional". Ou seja, o ensino jurídico não seria especializado e adequado às demandas do mercado jurídico, pois mais da metade dos formandos encontra alocação profissional em atividades não-jurídicas. A sua resposta ao dilema consiste, portanto, em sugerir a adequação da oferta em consonância com a demanda do mercado. Outros autores exploraram o tema ao longo dos últimos vinte anos, sempre constatando que não há respostas fáceis e evidentes. Assim, não se pode, pura e simplesmente, afirmar que uma boa parcela da advocacia se proletarizou por conta da recente expansão dos cursos jurídicos. O problema é mais antigo e mais complexo, sendo que a recente expansão deve ser vista apenas como mais uma variável de análise. Aliás, o debate sobre a proletarização profissional é bem mais amplo e, em outros países, alcança um aspecto que, entre nós, é raramente mencionado: a (eventual) relação de subordinação (e emprego) entre advogados e sociedades de advogados. Quem quiser conferir, pode ler em: http://www.oa.pt/Publicacoes/Boletim/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=51003&idr=2933&ida=50961 e http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=2916&idsc=43803&ida=44150, ambos publicados na página da Ordem dos Advogados de Portugal. Enfim, seja sob uma perspectiva financeira, com achatamento remuneratório, seja sob uma ótica mais conceitual, que envolve o esgotamento de um modelo de atividade liberal, a advocacia não é mais a mesma e o seu processo de formação necessita ser repensado, o que, aliás, tem se revelado uma necessidade para todas as profissões jurídicas. Com efeito, o fenômeno não alcança tão somente a advocacia, mas possui repercussões amplas, entre outros, na magistratura, no Ministério Público e nos notários. O que cada uma dessas corporações irá fazer para responder às demandas de seus respectivos ofícios é um debate em aberto e que necessita ser travado, em um primeiro momento, entre os respectivos pares. Mas, o que será feito em termos de formação inicial, no âmbito do ensino jurídico, é um debate mais amplo e não pode ser limitado à "proletarização da advocacia".
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