14 julho 2007

Revista Piauí (3)

Em sua edição do mês passado (junho), a revista Piauí traz uma excelente matéria na rubrica "diário". Nela, já foi narrado o cotidiano de um ascensorista, de uma "ghost writer" acadêmica e, agora, é relatado o dia-a-dia de uma operária fabril, residente em São João de Meriti. O texto evidencia que o mundo fordista não está tão morto assim. Confiram a seguinte passagem: "Já fui líder do meu andar durante quase um ano mas nunca me interessei em participar do sindicato. É perda de tempo. Não acho que meu trabalho seja de operário pois não carrego saco de cimento nas costas. É repetitivo mas não é operário. (...) Faço o mesmo ponto o dia todo. A coisa se tornou tão mecânica que nem vejo o tempo passar". É, aliás, interessante ver o impacto da subjetividade do trabalhador em sua atividade. Angela, nossa operária, por exemplo, associa o uso da força à condição de operário, criando assim uma clara distinção para o seu próprio trabalho. Outra passagem marcante do texto é quando ela diz que "hoje não teve serão. Pena porque assim deixei de ganhar hora-extra. Nos dois meses anteriores trabalhamos todo sábado, das 7 da manhã às 4 da tarde. Com isso, aumentava o meu salário em 272,10 reais, e meu ganho final ficava em 735,60 reais. Quando o mês está fraco, ganho só 463,50 reais". Ou seja, a realização de hora extra não é vista como um pesado ônus, mas, ao contrário, é desejada, pois ela possibilita um aumento de quase 60% em sua remuneração. Mas não é só o ganho financeiro que funciona para ela ver o trabalho extraordinário sob uma perspectiva positiva. Com efeito, a ausência de trabalho na fábrica é suprida pela realização de afazeres domésticos. Diz ela: "comecei o dia lavando banheiro, chão, varanda e louça". Enfim, no final das contas, o texto acaba por emprestar um rosto a uma rotina trabalhista marcadamente fordista, que boa parte de nossos comentaristas jurídicos (e sociológicos) insistem em dizer extinta.

O último número da revista Piauí traz dois textos bem interessantes sobre como é feito o trabalho policial. No primeiro, "Tiro e traço", inserido na seção "esquina", é descrita a atividade daqueles que confeccionam os retratos-falados dos procurados. Qual é o impacto de tal atividade? Nem mesmo a polícia sabe, já que "a polícia civil não tem o controle de quantos se converteram em detenção". No segundo, "Tiro mágico", indaga-se de onde veio a bala perdida que matou o engenheiro civil Aílton Lopes Moreira, em uma manhã de domingo, dia 17 de junho. Como narra o perito: "para a família foi uma tragédia, para a crônica policial, uma manchete, para o perito, um caso sem solução". A leitura de ambos os textos mostra que a atividade-meio, essencial para o êxito do trabalho policial, é feita de forma mambembe, sem um tratamento adequado. Enquanto isso, a atividade-fim vai sofrendo, apresentando frágeis resultados. No mais, a revista vem com fortes tintas musicais. Tem Nando Reis, do Titãs, no "diário"; Joshua Bell, em "vida urbana"; Facção Central, em "turnê gangsta"; Renato Russo, por Cadão Volpato, em "subterrâneos do rock; Elvis Costello, em "o que aprendi"; e muito mais. Como sempre, vale a leitura!

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